(BR) Brasil e China: Relações comerciais em uma ordem global em transição

Ao longo de mais de cinco décadas, Brasil e China consolidaram uma parceria estratégica. O alinhamento em fóruns multilaterais e o comércio crescente reforçaram a relação. Essa aproximação se intensificou diante de políticas norte-americanas, já que os Estados Unidos foram o principal parceiro do Brasil por quase dois séculos. A emergência de uma ordem global multipolar apresenta oportunidades e desafios, exigindo dos países equilíbrio de interesses e fortalecimento estratégico.

ECONOMÍA E INDUSTRIAPOLÍTICA INTERNACIONALBR

Alícia de Souza Machado

10/12/20253 min read

Em 2009 a China ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o principal comprador de produtos brasileiros. Ao estabelecer essa relação em 1974, o Brasil buscava diversificar parceiros e fortalecer autonomia na política externa. Desde então, a China tornou-se parceira indispensável, especialmente no comércio internacional. O rápido crescimento da China no final dos anos 1990, impulsionado por um intenso processo de industrialização, aumentou sua demanda por produtos primários. Com isso, a exportação brasileira de soja, minério e petróleo cresceu. Paralelamente, o Brasil tornou-se um destino crescente para os investimentos chineses em setores estratégicos como energia, infraestrutura e telecomunicações. Os riscos incluem dependência da demanda chinesa e pressão geopolítica derivada da rivalidade sino-americana.

Assimetria ou dependência mútua?

Existe uma preocupação relevante na concentração do comércio brasileiro com a China. Em 2009 o país asiático era responsável por 13,2% das exportações brasileiras. Hoje, esse percentual está em 28% e 14 das 27 unidades da federação têm a China como principal destino exportador. O país é grande consumidor de soja, e o Brasil é o maior produtor mundial. Na balança comercial brasileira, 75% de tudo o que o país exportou para a China em 2024 foi composto por soja, minério de ferro e petróleo. Por outro lado, a China se destaca pela exportação de manufaturados ao Brasil, principalmente produtos como painéis solares e carros elétricos. São quase US$ 4 bilhões em produtos de alta tecnologia.

O risco reside na dependência em um único país. Digamos que exista uma crise econômica significativa na China, a economia brasileira seria amplamente afetada. O que os produtores fariam com tanta soja? Essa preocupação não é exclusiva do Brasil, já que outros países da América Latina têm a China como principal comprador. Uma alternativa para a situação vulnerável do Brasil é a diversificação do mercado e das exportações. No entanto, é um movimento moroso e de alto custo para o Brasil, que não tem a diversificação como uma vantagem natural. Sua maior concentração de vendas é de commodities.

Em meio às discussões sobre o aprofundamento das relações comerciais entre os dois países, a China tem a intenção de investir até R$27 bilhões nos próximos anos no Brasil.

Brasil x China x EUA

Durante quase dois séculos, os EUA foram o principal parceiro comercial do Brasil em uma relação assimétrica. Isso mudou com o alinhamento comercial e estratégico entre o Brasil e a China. Diante das novas dinâmicas globais e ascensão chinesa, os EUA têm buscado formas de reafirmar sua força.

No início de 2025, Donald Trump anunciou uma série de taxas de importação a diversos países. Segundo o presidente americano, é uma forma de corrigir os desequilíbrios comerciais e proteger a economia de práticas desleais. Para o Brasil e a China não foi diferente. Ao seu maior concorrente comercial, os EUA conferiu taxas que oscilaram de 125% a 51,8%, e atualmente estão em 30%. Ao Brasil, após discordar de decisões políticas do Superior Tribunal Federal para com o ex-presidente, Trump taxou o Brasil em 50%. No entanto, há uma longa lista de exceções: suco de laranja, aeronaves civis, petróleo, veículos e peças, fertilizantes e produtos energéticos.

Nesse mesmo período ano passado os chineses compraram cerca de US$12 bilhões em soja e, esse mês, foi zero. Como forma de retaliar as taxas ‘irracionais’ de Donald Trump, a China suspendeu a importação de soja dos EUA. Essa decisão impacta gravemente os fazendeiros americanos, correndo risco de falência. Em alguns estados, até 60% da exportação dos produtos é destinada à China. Por outro lado, essa medida foi positiva para o agronegócio brasileiro, e a China redirecionou seus esforços para a compra de soja brasileira.

Paralelamente, cresce o temor norte-americano em relação ao fortalecimento dos BRICS, parte da estratégia multilateral do Brasil e China. A expansão do grupo em 2024 e as discussões sobre o uso de moedas locais são vistas como alternativas ao sistema financeiro dominado pelos Estados Unidos. Trump, em especial, demonstrou preocupação com o potencial do grupo de reduzir a dependência global do dólar.

A relação Brasil-China é central para a estratégia comercial e diplomática dos países. Para o Brasil, é necessário ir além da posição de fornecedor de commodities. A diversificação produtiva, a inovação tecnológica e o protagonismo diplomático são essenciais. Em um mundo multipolar e em transição, o desafio brasileiro é claro: aproveitar a parceria com a China para desenvolvimento, mantendo autonomia frente às grandes potências. Somente assim o Brasil poderá consolidar presença competitiva na nova ordem global.